por dom Milton Kenan Junior
Numa leitura rápida da Carta Pastoral de Dom Odilo, nosso Cardeal Arcebispo, à Arquidiocese de S. Paulo, publicada no ultimo dia 15 de fevereiro no encontro com o clero arquidiocesano, no Centro “Santa Fé”, na Via Anhanguera, chamou minha atenção algumas idéias básicas, que creio possam ajudar na leitura e apreciação deste significativo texto.
1. Paróquia real ou virtual? – Já de inicio encontramos uma preocupação com a vida de cada paróquia, na sua realidade não imaginária, mas concreta: “Como está a paróquia, a nossa paróquia? Conhecemos bem a realidade, pelo menos a realidade religiosa, de nossa paróquia? Há nela vazios, espaços ou situações não atendidas pela ação de nossa Igreja ? “ Como se vê há uma inquietação importante e, de certa forma, nova: conhecer nossas paróquias na sua realidade concreta, no seu “mundo real” utilizando uma expressão dos nossos dias, fugindo do imaginário ou da possibilidade “virtual”. Neste aspecto compreende-se a importância dos Questionários e do Seminário “Paróquia: Comunidade de Comunidades na realidade urbana”, encaminhados pelo Secretariado Arquidiocesano de Pastoral, que se realizarão nas Regiões Episcopais, como uma tentativa de diagnosticar, valorizar e incrementar atividades e iniciativas paroquiais.
2. Atenção à vida eclesial “na base” – Na perspectiva de conhecer a Paróquia real, também inicialmente e depois ao longo do texto, se fala de Paróquia como Igreja “na base”; portanto debruçar-se sobre as paróquias é debruçar-se sobre a base da Igreja. “A paróquia é, na expressão local e concreta, aquilo que a Igreja é no seu todo.” (p.5) “A paróquia é a Igreja “na base”, onde a vida e a missão da Igreja acontecem; é a célula viva da Igreja, lugar privilegiado no qual a maioria dos batizados tem a possibilidade de fazer uma experiência concreta do encontro com Cristo e da comunhão eclesial.” (p.8) Assim, “se a paróquia vai bem, a Igreja ali também vai bem; se a paróquia vai mal, ali a Igreja vai mal. A Igreja corre o risco de “rodar no vazio” e de ser reduzida a uma série de estruturas, instituições e organizações, sem chegar às pessoas concretas, se as paróquias não vivem bem sua identidade e missão e não são a expressão de comunidades vivas e dinâmicas, ou se carecem de objetivos e organização pastoral.”(p.5) Trata-se de um olhar para a Igreja “na base”, ou seja para as paróquias onde a maioria absoluta dos fiéis tem a possibilidade de encontrar-se com Cristo e fazer uma forte experiência comunitária.
3. O que é a paróquia? Partindo do conceito dado pelo Direito Canônico que define a paróquia como “uma determinada comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, e seu cuidado é confiado ao pároco como a seu pastor próprio, sob a autoridade do bispo diocesano” (cf. cân. 515) encontramos na Carta diversas definições que se complementam e enriquecem a compreensão do conceito de paróquia: “comunidade missionária dos discípulos de Cristo no meio do mundo”; “Ela é o rosto mais visível e concreto do Mistério da Igreja, “Sacramento da salvação” no mundo: é uma comunidade de batizados, congregados em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, vivendo a fé, a esperança e a caridade.” (p.7) “A paróquia é, acima de tudo, uma comunidade de pessoas, uma porção do Povo de Deus, que se congrega concretamente e de forma organizada em nome de Cristo, confiada aos cuidados pastorais de um Ministro ordenado (Padre); ele a reúne e serve nas coisas de Deus e da Igreja, forma na fé, anima e conduz na esperança e na caridade.” (p.9) “A paróquia deve ser uma comunidade viva e vibrante de fé e alegria cristã, que atrai para Cristo e medeia, de muitas maneiras, o encontro pessoal com Ele; ao mesmo tempo, o “espaço” onde se vive e cultiva a mística que decorre desse encontro com Cristo na liturgia, na caridade e no serviço aos irmãos e ao mundo, em nome da fé e como fruto da fé.” (p.18) “A paróquia é, e deve ser, uma “comunidade de comunidades” (cf. DAp nn. 164-180), “é bem mais do que uma única comunidade homogênea: nela há muitas expressões de vida eclesial, que precisam ser valorizadas, animadas e envolvidas mais diretamente na realização da única missão da Igreja.” (p.21) “Na paróquia está o povo de Deus, com a riqueza e a variedade de dons e carismas, que o Espírito Santo concede para a vitalidade de todo o corpo eclesial.” (p. 14)
4. Para que existem as Paróquias? – A partir destas definições seria espontânea a pergunta, para que existem as paróquias? Qual a razão de ser delas? Qual a grande meta que devem perseguir para cumprir a sua missão? “A paróquia pode realizar muitas atividades sociais, culturais e religiosas. Mas seu objetivo primordial é proporcionar aos seus membros uma rica e variada experiência da fé cristã católica, alimentada nas fontes da fé e da vida cristã e eclesial, que são a Palavra de Deus, a Tradição viva da fé da Igreja, a Liturgia e a riqueza mística do seguimento de Cristo, segundo o Evangelho, manifestada na vida dos santos. As várias atividades organizadas na Paróquia devem ser decorrência dessa missão e objetivo primordiais; e, dessa fonte, vão beber sempre sua inspiração e dinamismo. Contrariamente, a paróquia torna-se uma estrutura sem alma, ou uma entidade de prestação de vários serviços, talvez até úteis, mas sem identidade própria, pois estará deixando de lado sua missão principal.”(p. 18) Mais adiante retoma o pensamento dizendo: “A paróquia tem a missão de proporcionar aos fiéis muitas ocasiões de encontro com Cristo e, por meio dele, com Deus, no dom do Espírito Santo: na Palavra de Deus, na Eucaristia e nos demais Sacramentos, na mística da fé sobrenatural e da vivência eclesial, na experiência amorosa da oração pessoal e comunitária, na caridade atenta para com os pobres, doentes e todas as pessoas que sofrem, na promoção da justiça, da solidariedade, da beleza; a experiência do encontro com Cristo também é favorecida pelo testemunho luminoso dos santos e mártires, que nos precederam na fé e enriqueceram a vida da Igreja com seu exemplo.” (p.25)
5. Uma comunidade eucarística – Diversas vezes o Cardeal fala da paróquia como uma “comunidade eucarística”: “A assembléia eucarística é a expressão mais visível e sacramental da Igreja.” (p.7) “A comunidade paroquial é significada e torna-se visível, de modo especialmente profundo, na celebração eucarística dominical.” (p.19) “O momento melhor e a expressão mais perfeita da comunhão da Igreja acontece na celebração da Eucaristia, sob a guia dos Ministros ordenados, constituídos Pastores para servir, animar e conduzir, em nome de Cristo, todo o corpo ecesial.” (p.21)
6. Vida e missão da paróquia – Ao tratar da vida e missão da paróquia, a ênfase é dada também aqui, como conseqüência lógica ao tríplice múnus (profético, sacerdotal e
pastoral) de Cristo. Nas pegadas de Jesus, cada discípulo missionário e por conseqüência cada comunidade eclesial são chamados a tornar visível a missão de Cristo na sua própria vida e missão. Assim,no que tange ao múnus profético, cabe a cada comunidade “anunciar a Palavra de Deus e testemunhá-la pela vida”, pois “ sem um serviço constante e amoroso à Palavra de Deus, a fé esfria, a moral se desvia, as organizações eclesiais perdem seu sentido e a comunidade fica desorientada. Seria como uma árvore que não recebe mais água...”(p.9) Neste sentido deve ser dado realce ao querigma cristão, a proclamação e acolhida da Palavra de Deus de modo privilegiado na Liturgia, com a proclamação das leituras bíblicas e a homilia, a leitura e estudo bíblico pessoal ou em grupos, a leitura orante da Palavra de Deus; a formação cristã por meio de uma catequese sistemática e permanente, nas pregações, retiros e outros encontros e momentos de formação cristã, bem como no estudo da teologia, fazendo do Catecismo da Igreja Católica uma referencia constante para a formação do povo na fé católica.(p. 10) No que diz respeito ao múnus sacerdotal: “a paróquia tem a missão de proporcionar a todos os fiéis os meios para a santificação, mediante a celebração dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia e a Penitência, o cultivo da oração pessoal e comunitária, o incentivo à escuta atenta e à pratica da Palavra de Deus e das virtudes humanas e cristãs, em particular, a caridade.” Cabe então recuperar a centralidade da celebração dominical para a vida da paróquia, valorizar devidamente a Liturgia com toda a sua riqueza espiritual e força evangelizadora, a celebração diária da Santa Missa, promoção do culto eucarístico e demais devoções populares conforme a orientação da Igreja, dar o devido valor a todos e cada um dos Sacramentos da Igreja, em especial ao Sacramento do Perdão, tendo e divulgando claramente os horários para o atendimento das confissões, como pede a disciplina da Igreja; cuidando também para se evitar que alguns sacramentos sejam absorvidos pela lógica do mercado consumista. Quando trata do múnus pastoral: “a paróquia deve ser o lugar da acolhida de todos, do interesse alegre pelas pessoas e da atenção delicada em relação a todos os que sofrem; deve ser o lugar da busca daqueles que estão distantes, enfim, da pratica de todas aquelas belas qualidades do Bom Pastor, que reúne, conhece, chama pelo nome, conduz, defende, corrige, procura, ama até entregar a vida pelas ovelhas” (cf. Ex 34; Jo 10,10). Para isso, além da sua dimensão pessoal a caridade tem também uma dimensão comunitária e organizada, não devendo faltar obras sociais e outras iniciativas de solidariedade social e de voluntariado. Na atenção e promoção da dignidade da pessoa da pessoa e dos direitos humanos, será importante promover a Doutrina Social da Igreja. No que diz respeito ao pastorei lembrou-se a responsabilidade pastoral partilhada com toda a comunidade e a boa administração dos bens materiais de que a paróquia precisa para viver e para cumprir sua missão, daí a importância de cada paróquia possuir Conselho de Assuntos Econômicos e Conselho de Pastoral.
7. Chamado à conversão paroquial: Se no início a primeira preocupação fora a constatação da realidade da paróquia e a identidade da mesma, ao longo da Carta há uma outra preocupação, tão importante, que se impõe como algo urgente, ou seja, a necessidade da “conversão pastoral e missionária” à qual as paróquias são convocadas seja pelo Documento de Aparecida, como pelo próprio 10° Plano de Pastoral da Arquidiocese (p.5). Trata-se uma “conversão pastoral e missionária” que deve se
aplicar não só aos membros da Igreja, “mas também de suas instituições e organizações pastorais, para ir além de uma pastoral voltada mais para a conservação daquilo que temos. É preciso adotar uma nova atitude e preocupação pastoral, que traduza um claro objetivo missionário em todos os níveis e âmbitos da vida eclesial.” (p.6) “Diante dos tempos novos e condições culturais mudadas, devemos rever seriamente nossas maneiras de ser e viver a vida e a missão eclesial. Em Aparecida pede-se que haja uma verdadeira “conversão pastoral”, superando cansaços e formas inadequadas e ineficazes de evangelizar e fazer pastoral; é necessário, sobretudo, ir além da preocupação com a mera conservação do que já existe, para imprimir à ação pastoral uma decidida preocupação missionária.” (p.24) A “conversão pastoral” exige portanto que, “antes de renovar estruturas, é preciso renovar pessoas, mentalidade e posturas; trata-se de desenvolver uma nova “cultura pastoral”, que tenha sempre presente a preocupação missionária e nos faça pensar, não apenas na satisfação das próprias buscas espirituais e religiosas, mas também na partilha dos bens da fé e da vida eclesial com aqueles que já participam da vida da Igreja, ou com aqueles que fazem parte dele mas ficaram distantes, ou se afastaram dela.”(p.25)
8. Paróquia missionária: A “conversão pastoral e missionária” proclamada pela Conferencia de Aparecida exige a compreensão da paróquia como “comunidade missionária dos discípulos de Cristo” no meio do mundo (p.9); e por isso, “nossa preocupação e ação missionárias devem estender-se a todos, também àqueles que abandonaram a fé, ou nunca sentiram a alegria de crer....Nossas paróquias, por isso, não podem perder de vista a dimensão missionária “ad gentes”; as iniciativas de outubro, “mês das missões”, são importantes para manter atento o olhar para o vasto horizonte da missão, que se estende para bem além dos limites paroquiais e alcança o mundo inteiro. Mas é importante que a paróquia também reflita sobre o alcance propriamente territorial de sua missão, para ver se não há vazios de presença eclesial nos espaços da paróquia. Há hospitais sem assistência? Há escolas, presídios, condomínios ou inteiros bairros sem nossa presença religiosa? É muito recomendável a setorização territorial da paróquia, promovendo o surgimento de novas comunidades, onde faltam, através de um trabalho missionário no interior da própria paróquia, que é a unidade missionária fundamental da Igreja; sua ação evangelizadora deve estender-se a toda a área, ou âmbito, de sua competência.”(p.26) “O futuro de nossa Igreja e da paróquia depende de nosso ânimo missionária hoje.” (p.27)
9. Desafios à vida e missão das paróquias: Nesta leitura da Carta Pastoral de Dom Odilo à Arquidiocese de S. Paulo, constatam-se alguns desafios que, na verdade, revelam o quanto o texto por si próprio é desafiador para as paróquias no contexto urbano e globalizado em que estão inseridas. Um primeiro desafio será superar o isolamento ou seja, compreender que “nenhuma paróquia se basta a si mesma, nem realiza sozinha e autonomamente a sua missão, mas o faz na comunhão da Igreja particular, reunida em torno do bispo (a diocese) e na comunhão universal da Igreja, reunida em torno do Papa”(p.8) , “também a paróquia não se basta e não deve fechar-se sobre si mesma; ela está unida às demais paróquias e ao Bispo, sucessor dos Apóstolos, que une em torno de si – de Cristo Pastor – a grande comunidade diocesana na comunhão da mesma fé, esperança e caridade.” (p.21). Quando fala das “muitas expressões de vida eclesial, que precisam ser valorizadas, animadas e envolvidas mais diretamente na
realização da única missão da Igreja” observa-se que “as variadas expressões de vida eclesial das “comunidades menores” não se bastam a si mesmas, mas completam-se na relação com a comunhão eclesial mais ampla, que acontece na paróquia, na diocese e na comunhão universal da Igreja.” (p.21) Um outro desafio é reforçar o espírito comunitário entre fiéis e pastores, pois, “a vida comunitária é essencial à vivencia da fé crista. Ser discípulos missionários de Jesus Cristo supõe pertencer a uma comunidade cristã determinada.”(p.20) Na realidade urbana de S. Paulo como podemos estimular e valorizar “dentro da paróquia, as comunidades menores, como as comunidades eclesiais de base, capelas de bairro e outras formas de comunidade e expressões de vida eclesial, onde as pessoas tenham a possibilidade de uma participação mais pessoa, de receber ajuda ou de colocar seus dons a serviço da vida e da missão eclesial”? (p.20) E, por fim, desafia-nos a conversão pastoral e missionária preconizada pela Conferencia de Aparecida e pelo 10° Plano de Pastoral da Arquidiocese de S. Paulo; sobretudo quando se afirma que “o futuro de nossa Igreja e da paróquia depende de nosso ânimo missionário hoje.”(p.27)
10. Padres, colabores diretos nesta tarefa! – Na Carta quando fala dos muitos membros e agentes pastorais atuantes em nossas paróquias Dom Odilo refere-se a tarefa dos leigos (p.13-14); dos ministros ordenados, sacerdotes e diáconos (p.15), dos religiosos e religiosas como também das novas formas de Vida Consagrada (p.16-17); entretanto, ao concluir refere-se explícita e fortemente ao papel do presbítero, dizendo que “a renovação da comunidade paroquial depende, em boa parte, da renovação na vivência do ministério sacerdotal.” (p.28) Ao padre cabe “servir sem reservas a comunidade paroquial, a exemplo do Bom Pastor, e de envolver nos “cuidados pastorais” toda a comunidade dos batizados à sua volta, a qual também participa da caridade pastoral de Cristo e a deve expressar de muitas maneiras.”(p.29)
Sem querer substituir a leitura e reflexão da Carta Pastoral de Dom Odilo ofereço este texto, pensando que possa ajudar a perceber as linhas, preocupações, indicações e mística que Dom Odilo oferece ao convocar as paróquias a tornarem-se o que de fato são.
“Paróquia, torna-te o que tu és!” é o grande lema a nos impulsionar na reflexão e compreensão das paróquias neste biênio 2010 e 2011. Vamos em frente!
Dom Milton Kenan Júnior
Bispo Aux. de S. Paulo
Vigário Episcopal para Reg. Brasilândia
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