É bem pedagógica a Liturgia da Igreja. Ao longo do ano, são celebrados os grandes Mistérios da Fé no rito, na Palavra de Deus e no Sacramento; e assim, a Liturgia não celebra apenas coisas do passado, mas nos envolve na ação de Deus, que acontece hoje e naquilo que Deus ainda realizará no futuro. E nós podemos aderir à ação de Deus mediante a fé e o testemunho de vida; esses, por sua vez, nutrem-se nos Mistérios da Fé.
Enquanto o ano litúrgico já vai chegando ao fim, somos convidados a olhar para as realidades escatológicas da nossa fé, que são também o objeto da esperança cristã: a morte, o julgamento de Deus, a vida eterna, o paraíso e a felicidade plena junto de Deus – na “Jerusalém celeste”, conforme a bela imagem usada no Apocalipse para falar do céu (cf Ap 21,2.10). A festa de Todos os Santos nos lembra: para essa cidade, também nós caminhamos “pressurosos”, apressados; ainda peregrinamos pelas estradas da vida “na penumbra da fé”, mas já entrevendo a luz da glória celeste; essa já se manifestou em Jesus Cristo ressuscitado e nos santos do céu.
De fato, como cristãos, estamos com os pés bem plantados na terra e devemos ser operosos na prática do bem durante esta vida, como bons trabalhadores na vinha do Senhor, operários na sua messe, gratos colaboradores na sua obra, zeladores atentos e responsáveis do mundo confiado a nós. Ao mesmo tempo, porém, nosso coração e nossos olhos já estão voltados para “as realidades celestes”, que nos oferecem um horizonte de compreensão nova e de esperança grande, uma meta que vai além dos bens que este mundo já nos pode oferecer. Nós não cremos só para esta vida e para as realidades presentes: “se é só para esta vida que pomos a nossa esperança em Cristo, somos de todos os homens os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,39).
Somos pessoas de esperança; não apenas de esperança humana, que se esgota nas realizações humanas. Somos animados pela esperança grande, sobrenatural, que decorre diretamente da fé e da fidelidade de Deus – verdadeiro, justo e bom. Essa esperança é uma virtude sobrenatural, ligada ao fato de sermos, já neste mundo, “filhos de Deus” (cf 1Jo 3,1-3). E só Deus pode satisfazer essa esperança sobrenatural. Ela nos dá força, coragem e perseverança na prática do bem, da justiça e da retidão, mesmo nas maiores dificuldades, ou quando não parece haver mais motivos humanos para isso. Cremos em Deus, por isso esperamos; e agimos em conformidade com nossa fé e nossa esperança.
A solenidade de Todos os Santos nos convida a elevar nossos olhos e contemplar, na fé, a “cidade celeste”, a “Jerusalém do alto”, onde a multidão dos santos vive junto de Deus. E quem acaso “viu”, para poder nos contar? São João responde: “o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai; ele, que desde sempre viu, nos veio contar (cf Jo 1,18). Jesus Cristo usou muitas imagens para falar do céu: reino de Deus, casa do Pai, banquete e festa, vida feliz na comunhão com Deus... Sempre deu a entender que o céu é a coisa melhor que podemos desejar na vida; e a exclusão dele é a pior desgraça que pode sobrevir ao homem! Também São Paulo fala de sua experiência mística das coisas celestes, descritas por ele como belíssimas, inimagináveis. (cf 2Cor 1-6); e afirma que “os olhos jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais imaginou aquilo que Deus preparou para aqueles que o amam” (cf 1Cor 2,9).
A fé cristã, portanto, afirma corajosamente a redenção plena e radical do ser humano. É uma pena, e é tão pobre, que às vezes se relacione e reduza a prática religiosa apenas à busca de alguma vantagem para esta vida; pior ainda, quando se faz da religião um mecanismo mágico na busca da prosperidade material, a ser obtida com uma espécie de relação comercial com Deus... Também é pobre, e é ruim, converter a religião em instrumento ideológico, na busca e afirmação do poder e vaidades sociais e políticas.
A prática religiosa honesta e fiel, por certo, também atrai a bênção de Deus para esta vida e tem consequências inquestionáveis para o convívio social. Seu objetivo final, no entanto, nunca poderá ser reduzido a uma realização humana e histórica, mas se projeta para a esperança grande, para o futuro de Deus, para aquilo que só Ele pode nos dar. E nós o acolhemos com superabundância, louvor e alegria!
Publicado no jornal O SÃO PAULO, edição de 08/11/2011
Arcebispo de São Paulo
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